Pôr os alunos a avaliar os encarregados de educação. Pertinente ou perigoso?

A jornalista Joana Capucho contactou-me para um artigo sobre a possibilidade levantada por um blog de educação de poder dar a possibilidade aos alunos de avaliarem os seus pais. Transcrevo aqui a notícia que entretanto saiu. Um professor, um pediatra, uma psicóloga, um pedagogo e um representante dos pais respondem. Há quem veja a ideia com bons olhos, também há quem diga que é disparatada. Quem lança a discussão é Alexandre Henriques, numa publicação feita no blog Com Regras: “E se os alunos avaliassem os encarregados de educação?” Na opinião do professor de Educação Física, os “desvios comportamentais e de desempenho escolar” das crianças “são, na maior parte das vezes, uma mera manifestação do fracasso/ausência familiar”. Por isso, explica ao DN, “em algumas situações podia ser feito um questionário na escola com algumas questões dirigidas ao acompanhamento dos pais ao estudo”. Da utilização da ferramenta, sugere, resultaria uma conversa com encarregados de educação, “feita de uma forma pedagógica e não para apontar dedos”. Na publicação, que dividiu opiniões, Alexandre Henriques refere que as crianças são capazes “de exprimir o seu grau de (in)satisfação para com os progenitores” e dá um exemplo de um questionário brasileiro que permite “tirar boas ideias”. Entre outras, há questões sobre a frequência com que os pais brincam com as crianças, se param para conversar, se vão passear, se ensinam o que é certo e errado. “Há pais que não compreendem o que os professores dizem. Se viesse das crianças, talvez percebessem que têm de estar mais presentes. Claro que não seria uma coisa transversal. Se o professor achar que há abstinência familiar, porque não usar um mecanismo para comparar os resultados escolares com o desempenho dos pais?”, explica ao DN o coordenador do Agrupamento de Escolas n.º 3 de Elvas. Será que os alunos devem avaliar o desempenho dos encarregados de educação? Que benefícios existem na utilização dessa ferramenta? E riscos? Para responder às questões, o DN falou com o pediatra Mário Cordeiro, a psicóloga Ana Gomes, o pedagogo Renato Paiva e o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, Jorge Ascenção. “Era o que mais faltava” “Acho disparate, da forma como é apresentado. O sistema pais-filhos não é uma democracia no sentido de ter de se avaliar o governo, ainda por cima através da escola. A escola que fique onde está, que se iniba de meter ainda mais na vida das pessoas e apenas o faça (o que, infelizmente, falha muito) quando se torna necessário, em situações especiais. Os filhos avaliam os pais e vice-versa através do amor, dos afetos e da sua relação. Era o que mais faltava a escola meter o nariz nas relações interpessoais. E quem? O diretor? O professor? O psicólogo da escola?”, diz Mário Cordeiro. Na opinião do pediatra, “a escola pode dialogar com os pais, se sentir que algo pode ser melhorado ou, no limite, que se passam coisas estranhas ou graves, mas nunca através de ‘momentos avaliativos’ aos alunos sobre os seus próprios pais”. Para Mário Cordeiro, esse seria “um momento surrealista”. Pediatra Mário Cordeiro considera que a avaliação poderia contaminar a relação entre pais e filhos. © Sara Matos/Global Imagens Ana Gomes, psicóloga clínica e docente da Universidade Autónoma de Lisboa, tem uma opinião diferente: “Sinceramente, até achei interessante. Como mãe [de quatro rapazes de 10, 9, 6 e 3 anos], tentei refletir sobre isso. Se calhar era uma forma de percebermos algumas coisas que não imaginamos. É pertinente. Vivemos numa cultura e sociedade em que mal temos tempo para os nossos filhos. Se houvesse esse feedback, talvez repensássemos as nossas opções, escolhas, comportamentos. Muitas vezes, fantasiamos que estamos a corresponder às necessidades deles, mas até nem estamos.” Na prática clínica, prossegue a psicóloga, depara-se com muitas situações nas quais “os pais dizem que dão tudo aos filhos e que não percebem porque surge um determinado comportamento, mas é porque têm uma visão reducionista do materialismo”. Se soubessem “o que falha, do que os filhos sentem falta, se calhar mudavam alguma coisa”. Enquanto mãe, Ana Gomes assume que ficou “com vontade de experimentar” fazer algo semelhante com os filhos. “O que será que diziam sobre mim? Posso ter a ideia que correspondo, mas isso não ser verdade.” Considera, no entanto, que “a escola é um ambiente sensível para essa avaliação”, que podia deixar os pais “muito comprometidos”. Portanto, afirma que seria necessário “pensar como se deve usar isto da melhor maneira em termos éticos”. Existirá maturidade para isso? Para o pedagogo Renato Paiva, poderá ser “perigoso” permitir que as crianças avaliem os encarregados de educação. “Considero que a maturidade das crianças para fazerem este exercício não seja a mais favorável. Aos olhos dos filhos, os nossos pais são sempre os melhores do mundo. Mas também achamos, muitas vezes, sobretudo quando somos contrariados, que os odiamos e são uns péssimos pais. A gestão emocional para avaliar é algo importante a ter em conta e não me parece que as crianças tenham essa capacidade”, diz ao DN o diretor da Clínica da Educação. A realizar-se uma aferição informal, indica, “o importante era fomentar a comunicação através de críticas construtivas, feedbacks positivos e de reforço”. O pedagogo Renato Paiva defende que as crianças não têm maturidade para avaliar os encarregados de educação. © Paulo Spranger/Global Imagens O autor da publicação, Alexandre Henriques, defende que, se os pais perceberem onde estão a falhar, será mais fácil mudarem comportamentos. No entanto, frisa Renato Paiva, “os próprios pais certamente sabem que há alguns pontos em que poderiam melhorar, mas nem sempre é simples. De uma forma genérica, os pais consideram ter pouco tempo para os filhos. Eles sabem disso, mas não é fácil fazer o tempo esticar quando a sobrecarga horária, emocional e física os deixam mais indisponíveis”. Por isso, considera que “fomentar a comunicação entre as duas partes será a base para que se possa melhorar, sejam os pais ou os filhos”, já que “a mudança de comportamento não pode existir se ambos estiverem ‘cegos’ à perspetiva do outro”. Já