Dicas para estudar e acordar os neurónios

E porque a época de testes está por aqui, convido à leitura de um artigo que escrevi para a revista Pais e Filhos. “Dicas para estudar e acordar os neurónios”. Deixo-vos com um excerto desta reflexão que nos leva entre indicações para o estudo e pensamentos sobre as crianças e os hábitos de hoje. Convido à leitura mas…não basta ler, o importante é praticar!
A cultura muda o cérebro? – por Roberto Lent
Para quem se interessa por neuroeducação transcrevo um texto do prof. Roberto Lent, Professor de Neurociência do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É um texto em Português do Brasil mas que se percebe facilmente “Para julgar a si próprios, ateus e cristãos usam diferentes circuitos cerebrais, mostram pesquisas Publicado em 31/07/2008 | Atualizado em 15/12/2009 Você acha que o ambiente cultural e social em que foi criado desde a infância determina o funcionamento do seu cérebro? Talvez você responda a essa pergunta argumentando que as funções mais complexas – cognitivas ou afetivas, por exemplo – possam ser de fato influenciadas pela cultura e pela sociedade, mas não as tarefas mais simples. Então dê uma olhada na figura ao lado: que letra você percebe? Um A ou vários Ms pequeninos? Observando com atenção, verá os dois. No entanto, medindo o tempo que você levaria para apertar um botão para A ou um botão para M (tempo de reação), pode-se comprovar que você percebe os Ms antes do A – seu tempo de reação terá sido menor para os primeiros. Isso acontece com a maioria das pessoas ocidentais (brasileiros, americanos, europeus). Mas é diferente para os orientais (japoneses, chineses, coreanos). A maioria deles percebe o A antes dos Ms! Provavelmente, o mesmo ocorre na percepção do quadro do pintor catalão Salvador Dalí (1904-1989), que está abaixo: você perceberá primeiro as figuras femininas vestidas à antiga, e só depois o busto de Voltaire formado por elas. O inverso ocorrerá com os orientais. Os psicólogos sabem há muito que a estratégia de percepção dos orientais é mais holística, isto é, mais global, enquanto a dos ocidentais é mais analítica, detalhista. Sabem também que nós, ocidentais, focalizamos a atenção mais fortemente em nós próprios do que nos outros. Nossa cultura é individualista, centrada na primeira pessoa. O contrário ocorre na cultura oriental, que enfatiza mais fortemente os vínculos sociais e familiares. Só que, no teste acima, o tempo de reação se inverte (menor para a percepção holística) se, antes de apertar o botão, você for sensibilizado pela leitura de um texto escrito na primeira pessoa do plural (nós). O pronome coletivo modula a percepção, modificando a estratégia detalhista para uma estratégia holística! E o oposto acontece com os orientais, segundo trabalho feito em 1999 pela psicóloga Wendi Gardner e seu grupo, na Universidade Northewestern, Estados Unidos. O funcionamento do cérebro modificado pela religião Uma análise crítica do trabalho dos psicólogos sociais poderia argumentar que algo de inato pode distinguir o cérebro dos orientais em relação ao dos ocidentais. Afinal, do mesmo modo que os olhos são puxados nos japoneses e chineses, mas não nos brasileiros e americanos, quem sabe o funcionamento do cérebro possa ser também diferente – constitutivamente e não por influência cultural – nesses dois grupos humanos. Essa crítica foi recentemente abalada pelo trabalho de um grupo de pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade de Pequim, na China, sob a liderança de Shihui Han. Eles partiram da diferença bem estabelecida entre a função de duas regiões adjacentes do córtex pré-frontal (aquele que fica bem sob a fronte das pessoas). A região ventromedial, por um lado, é consistentemente ativada quando pensamos em nós próprios: se somos bonitos ou feios, se estamos felizes ou tristes, se nosso desempenho de ontem no trabalho foi bom ou ruim. É o local do cérebro onde se estabelece a autoconsciência dos indivíduos. Já a região dorsomedial é ativada quando tentamos nos colocar no lugar de uma outra pessoa, para interpretar seu pensamento ou suas emoções. Você a utiliza quando imagina se o seu interlocutor está alegre ou triste, com base na sua expressão facial ou no seu comportamento. Essa função cognitiva é conhecida como atribuição mental, ou “teoria da mente”. O julgamento no cérebro de ateus e cristãos Ao julgar-se a si próprios, os cristãos empregam regiões cerebrais diferentes das pessoas não religiosas. Reproduzido de Han, S e Northoff, G. (2008) Nature Reviews. Neuroscience, vol. 9:646-654. Muito bem. Que fizeram os pesquisadores chineses? Selecionaram um grupo de pessoas sem religião e outro composto por cristãos, e registraram imagens de ressonância magnética funcional durante tarefas mentais em que os sujeitos tinham que julgar a si próprios ou a outras pessoas. Após visualizar ou ouvir adjetivos como “leal”, “desleal”, “corajoso”, “infantil”, cada um deles era solicitado a escolher aqueles que mais apropriadamente se adequassem a si próprio ou, alternativamente, a alguma pessoa pública conhecida. As imagens, processadas por computador, revelam quais regiões cerebrais estavam mais ativas durante o desempenho da tarefa mental solicitada, e podem assim indicar quais regiões são empregadas no autojulgamento e no julgamento de terceiros. O experimento indicou que os chineses cristãos ativam o córtex pré-frontal dorsomedial quando atribuem adjetivos a si próprios, enquanto os indivíduos não religiosos ativam a região ventromedial. Levando em conta a função dessas duas regiões, os pesquisadores concluíram que os cristãos se julgam “pondo-se no lugar de Deus”, já que sua religião lhes ensina que a moral se estrutura “na perspectiva de Deus”. Essa operação psicológica é típica da atribuição mental ou “teoria da mente”: é preciso imaginar-se na posição de Deus para julgar-se a si próprio. Já os não religiosos se julgam tomando como referência a sua própria história de vida e suas características próprias, sem se colocar na posição de um observador externo, tarefa típica do córtex pré-frontal ventromedial. Tudo indica, portanto, que a cultura de fato modula o funcionamento do cérebro. A organização cerebral é a mesma em todos os indivíduos, sejam eles chineses, brasileiros, cristãos ou budistas. O que muda é o modo de usar… SUGESTÕES PARA LEITURA Gardner, W.L. e colaboradores (1999) “I” value freedom, but “we” value relationships. Psychological Science, vol. 10: pp. 321-326. Han, S. e colaboradores (2008) Neural consequences of religious beliefs on self-referential processes. Social Neuroscience, vol. 3: pp. 1-15. Han, S. e Northoff, G. (2008) Culture-sensitive neural substrates of human cognition: a transcultural neuroimaging approach. Nature Reviews. Neuroscience, vol. 9: pp. 646-654. Que cena está sendo
A Memória e seus Circuitos Neurais
A Memória e seus Circuitos Neurais – por *Ivan Izquierdo (…) a memória de trabalho, é uma memória muito rápida, pois dura segundos (por exemplo, se alguém nos dita um número telefônico; o qual discamos e logo o esquecemos), tem sua localização na área prefrontal. Há varios estudos recentes, feitos básicamente por três grupos, Fuster e Goldman Rackick nos Estados Unidos e Sakata, no Japão (que provavelmente é o melhor dos três) que encontraram circuitos neuronais no córtex prefrontal e no córtex anterolateral, sobretudo (há outras áreas envolvidas também), as quais já se conhece em parte como funcionam, e o que fazem durante os diferentes tipos de memória de trabalho. Portanto há dois grandes grupos de memória que se podem subdividir o não. Um é o da memória de procedimentos, de atos motores o de concatenações de atos motores, como por exemplo, saber escrever à máquina, saber nadar, esse tipo de coisas. Essa memória tem uma localização cortical em parte, pelo menos inicialmente, mas depois envolve os gânglios basais e o cerebelo. É a chamada memória procedural. Conhecemos as suas vias, a sua arquitetura, digamos, mas não quem a “habita”, não conhecemos muito bem como funciona. A outra é a memória declarativa, que é o que todos chamam comumente de memória. É a memória de fatos, de eventos, de seqüências de fatos e eventos, de pessoas, de faces, de conceitos, de idéias, etc. Esta é memória sobre a qual mais sabemos do ponto de vista bioquímico e neuroanatômico. As memórias declarativas se formam em primeiro lugar em uma região do lobo temporal, o hipocampo, que tem muitas fibras de conexão com o córtex entorrinal, que está localizada logo abaixo dele. Conhecemos até certo ponto a natureza dessa conexão, ou seja, a informação que irá converter-se eventualmente em memórias no hipocampo entra pelo córtex entorrinal, que recebe fibras de todas as vias sensoriais, de praticamente todo o córtex. Quando a memória é de tipo aversivo, ou envolve emoções, um grau de alerta muito grande, ou algum grau de estresse, entram em jogo duas estruturas cerebrais adicionais: a amígdala, que está no próprio lobo temporal, perto do hipocampo, e que tem conexões bidirecionais com o mesmo; e talvez, no homem pelo menos, a região corticomedial do córtex prefrontal, que possivelmente supre ou complementa as funções da amígdala. O hipocampo efetua uma série de processos bioquímicos que eventualmente servem para fortalecer seus conexões com outras estruturas. Isto é feito através do subiculum-córtex entorrinal. Dependendo do tipo de memória, a via envolverá, mais tarde, o córtex parietal associativo. Isso está bem demostrado e há boa evidência para estabelecer que noutros tipos de memória pode chegar a intervir os córtices associativos frontal, occipital e temporal . A memória mais bem estudada é uma que ocorre em um modelo muito simples, utilizando ratos. O rato aprende a evitar de entrar em um lugar onde recebe uma punição por isso, um choque eléctrico. É uma memória de formação rápida -se forma em segundos-, mas que pode durar toda a vida. No momento que o rato adquirir essa memória, entra em jogo o hipocampo, modulado pela amígdala, a qual é modulada, por sua vez , pelo septo medial, dando início a uma extensa sequência de processos bioquímicos. Aos trinta minutos, mais o menos, se ativa o córtex entorrinal durante horas e essa ativação é necessária para a memória. Se se bloqueia esse circuito, a memória não se forma, necessitando-se um processo bioquímico extenso no hipocampo, de varias horas, e algo que entre em paralelo, e um pouco depois, temporalmente, na área entorrinal. Meia hora mais tarde entra em jogo o córtex parietal posterior. Ou seja, sem essa sequência de três estruturas e sem a cadeia bioquímica que ocorre no hipocampo paralelamente durante a ativação, não há memória do evento. Se pedimos ao animal que evoque a memória um dia depois de aprendido o estímulo, e fazemos uma injeção de antagonistas glutamatérgicos e de NMDA no hipocampo, amígdala, área entorrinal ou parietal, se cancela a memória; caracterizando assim o circuito necessário para recuperar a memória. É de se crer que memórias menos aversivas não envolvam a amígdala, por exemplo, e que outras mais aversivas envolvam o septo também. Agora, se pedimos ao animal que evoque a memória vinte dias depois do aprendizado, o quadro é mais o menos o mesmo, essas quatro estruturas estão participando. No entanto, se fizermos o teste de memória trinta dias depois, o hipocampo e a amígdala já não participam mais; podemos bloqueá-lo ou não com antagonistas glutamatérgicos e a memória continua igual. Por outro lado, se se bloqueia as áreas entorrinal ou parietal a memória não é recuperada. Portanto, o circuito que é necessário para evocar a memória e onde possivelmente ela esteja radicada, envolve, aos trinta dias depois de adquirida: o córtex entorrinal e o córtex parietal, mas não mais os lugares onde primeiro se formou, ou seja; hipocampo e amígdala. Possivelmente o circuito da memória de maior duração começa na área temporal, e envolve outras estruturas, posteriormente. Não sei quantas -nós estudamos apenas a área parietal posterior- mas há muita evidência para outros tipos de memória de que também estão envolvidos as áreas occipital associativa e algumas regiões do córtex prefrontal. É muito provável que a memória, além de de fazer uma cópia, por assim dizer, do hipocampo para a área entorrinal e para a área parietal, deve fazer cópias também para outros lugares. Aqui já não conhecemos praticamente nada sobre os mecanismos dessas cópias, e apenas um pouco sobre os locais do cérebro onde ocorrem. *(trecho da entrevista concedida à RAN- Revista Argentina de Neurociências/reproduzida pela Cérebro&Mente/2008)